André Felipe
Lima
Desde
maio de 1998, o italiano Roberto Vedovato comandava o Grupo Fiat no
Brasil. Atuou na empresa durante 32 anos. Em fevereiro, ele se despediu
do cargo, passando o bastão para Cledorvino Belini, superintendente
da Fiat Automóveis para a América Latina, que acumulou
as duas funções. Mas o legado de Vedovato e o respeito
que conquistou no mercado brasileiro, como um dos principais executivos
até então em atividade, merece destaque. Vedovato deixa
um saldo extremamente positivo, como a recuperação extraordinária
das exportações de veículos em 2004, um crescimento
de cerca de 40% no faturamento e de 60% nas exportações,
mas, em entrevista exclusiva à Comunità Italiana, prevê
que neste ano o mercado estará menos empolgante que em 2004.
No mercado europeu (incluindo a
Itália) os veículos comerciais da Fiat tiveram mais de
213.500 unidades comercializadas, o que corresponde a uma quota de 10,8%.
No Brasil foram vendidos 44.480 veículos comerciais que representam
uma cota de mercado de 24,3%. Esse resultado representa um crescimento
de 10,6% em relação à 2003, quando foram comercializadas
40.234 unidades.
Comunitá
- Em 2004 houve um aumento de 45% nas vendas externas e uma produção
20% acima do volume de 2003. Mesmo assim, a Anfavea prevê um 2005
com menos fôlego para a indústria automotiva. O sr. concorda
com esta previsão?
Roberto Vedovato - Fazer previsões no Brasil
é sempre difícil, mas acreditamos que as condições
estão postas para continuarmos em desenvolvimento. Os percentuais
de crescimento, porém, devem ser mais modestos. Como o ano 2003
foi fraco, o crescimento em 2004 apresenta percentuais muito expressivos.
Já 2004 foi bom, portanto 2005 deverá ter percentuais
menores de crescimento. Além disso, dar grandes saltos contínuos
não é bom. É melhor manter um ritmo razoável,
mas constante, sustentável no longo prazo, do que crescer rápido
para cair à frente.
Comunità
- A Anfavea também acredita que neste ano haverá elevação
de 7% nos embarques ao exterior e 5,4% no volume de veículos
produzidos. Isso realmente poderá ocorrer?
Vedovato - Esperamos que sim.
Comunità
- A valorização do real frente ao dólar poderá
ser o principal motivo para um possível recuo do setor este ano?
Vedovato - O valor do dólar é importante
na economia brasileira, mas, em minha opinião, não podemos
basear nossa competitividade no câmbio, que é uma questão
conjuntural. Devemos buscar nossa competitividade atacando nossos problemas
estruturais brasileiros. Primeiro, devemos melhorar nossa infra-estrutura
(estradas e portos, por exemplo). Uma simplificação tributária
- e uma redução da carga tributária - ajudariam
também. Depois, olhando para dentro de cada uma de nossas empresas,
devemos aumentar nossa capacidade de projetar e produzir produtos de
qualidade e preço adequado para disputarmos não só
o mercado brasileiro, que é extremamente disputado, mas também
o internacional, que estamos atacando com muita vontade desde 1999.
Comunità
- Alguns executivos italianos criticam a política de economia
externa do atual governo. Segundo eles, o Planalto estaria priorizando
mercados considerados ainda imaturos - frente às regras internacionais
de comércio - como China e Ìndia, desprestigiando parceiros
europeus, como a própria Itália. Algumas empresas que
prestam serviços ao setor automotivo quebraram. Como o caso da
Grimaldi, que mantinha pouco mais de 50% da receita dependente das exportações
da Fiat para Europa, vendeu seus ativos e fechou as portas no Brasil,
porque o foco de exportações da Fiat diversificou-se.
Como o senhor analisa esse cenário?
Vedovato - O Brasil tem feito um trabalho espetacular
no front externo e devemos cumprimentar o ministro Luiz Fernando Furlan
pela demonstração de competência à frente
do cargo. Certamente o Brasil deve se dedicar a criar maiores laços
comerciais com os grandes blocos econômicos, como a União
Européia e os Estados Unidos. Pode-se criticar a forma como o
governo vem buscando atrair como mercados países de menor expressão
econômica, mas são sempre mercados e temos de olhar para
todos.
Comunità
- A taxa básica de juros deverá ser mais elevada este
ano. A carga tributária, apesar de queda em 2004, ainda incomoda.
Tudo isso vai afetar o financiamento, que sustenta cerca de 70% das
vendas de veículos no Brasil. Levando-se em conta que se haverá
freio nas exportações, resta apenas o mercado interno.
Como o Grupo Fiat está se organizando para este quadro de mercado?
Vedovato - Não acreditamos que haverá
um freio nas exportações. Haverá, se as condições
internacionais piorarem, um ritmo mais lento de crescimento. Quanto
ao mercado brasileiro, se a economia continuar a melhorar, como tudo
indica até agora, as vendas continuarão a subir, ainda
em ritmo pausado, mas sempre avante. Estamos investindo em tecnologia
e novos produtos, sejam eles carros, tratores, caminhões, ônibus
e autopeças, para que possamos usufruir o crescimento à
nossa frente.
Comunità
- Incentivos fiscais prometidos pelo próprio presidente Lula
para 2005 virão em que mês? O Planalto já sinalizou
com algum cronograma?
Vedovato - As negociações entre o setor
automotivo e o governo estão centralizadas na Anfavea e não
vamos nos manifestar a respeito de projetos específicos. Mas
as montadoras, o governo e a sociedade deveriam pensar bem a respeito
de qual é o papel e qual o futuro da indústria automobilística
brasileira. Há alguns anos o Brasil e alguns países da
América Latina apareciam como oportunidades de investimento.
Hoje, a China e outros países asiáticos se mostram ainda
mais interessantes e disputam estes investimentos. As montadoras - e
as outras empresas em geral - não possuem recursos ilimitados
para investir em todos os lugares. As empresas vão apostar naqueles
países onde tenham maior certeza de retorno. No caso das montadoras,
o Brasil é forte nos carros compactos como o Fiat Palio. São
os mais vendidos no mercado interno e também são os mais
exportados. Esta é nossa vocação natural? Se for,
por que não criar mecanismos para que possamos nos transformar
numa base mundial para este tipo de carro?
Comunità
- Apesar de tudo, o ano de 2004 foi melhor que o de 2003? Estamos fazendo
a lição de casa corretamente, tanto mercado quanto governo?
Vedovato - O Brasil tem uma capacidade enorme de surpreender.
As potencialidades daqui são enormes. Veja o que aconteceu com
a agricultura nos últimos quatro anos. Nos transformamos num
dos maiores celeiros mundiais. Em breve seremos uma superpotência
agrícola. O Brasil está no caminho certo. Os juros estão
altos? Sim. A inflação ainda resiste? Sim. Mas a estabilidade
brasileira hoje é magnífica se comparada aos anos 80 e
início dos anos 90. O sistema financeiro é sólido,
profissional e isso não é pouco. O Brasil, além
disso, realizou um importante passo institucional com a redemocratização.
A transmissão de poder entre Fernando Henrique Cardoso e Lula
foi uma lição de civilidade para o mundo. A tranqüilidade
das últimas eleições são uma prova desta
maturidade.
Comunità
- O senhor vai permanecer a frente da GEI (Gruppo Esponenti Italiani)?
Vedovato - O GEI, que tive a honra de presidir por
dois mandatos, é agora comandado pelo meu grande amigo Guido
Urizio Farini. Está em boas mãos.
Comunità
- Aliás, como vem trabalhando a GEI para alavancar as relações
comerciais entre Brasil e Itália? Há novidades?
Vedovato - O que puder ser feito para estreitar as
relações Brasil/Itália deve ser feito. Os dois
países possuem tantas afinidades e interesses comuns que uma
integração maior traria enormes benefícios para
os dois lados. O Brasil possui uma gigantesca produção
agro-pecuária, a Itália possui a tecnologia de processamento
de alimentos. Só este exemplo mostra o quanto pode ser feito.
Além disso, como mostra o caso da Fiat, brasileiros e italianos
têm o dom de juntos realizarem coisas belíssimas.