L'Islam, la violenza, l'intolleranza e altre sfide

Vitória Peres de Olivera*

As religiões, ao longo de toda a história da humanidade, têm sido não apenas grandes fontes de entendimento e solidariedade entre os homens, mas também fontes de intolerância, hostilidades e mesmo guerras. Estudiosos, como Arnold Toynbee e Friederich Heiler, entre tantos outros no passado, chamaram a atenção sobre esta questão. Toynbee , em seu livro sobre a religião, sinalizou para o fato de que as 3 religiões reveladas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, surgidas de uma mesma raiz comum, têm uma tendência ao exclusivismo e a intolerância e advogam para si uma validez definitiva. Heiler (1996) comentou que é comum que essas religiões vejam as outras religiões como produto do erro, do pecado e até mesmo da malícia. Isto como resultado da operação realizada pelos fiéis ao transferirem o sentido do absoluto, que é próprio somente do divino e eterno, ao seu sistema particular de fé, sem admitir que este divino absoluto também pode ser alcançado por outras formas de pensamento e devoção.
Por isso vou discutir aqui a questão da intolerância no Islã, sem perder de vista o fato de que tanto a intolerância quanto à violência são tendências humanas que podem se expressar em qualquer um de nós em momentos diversos da nossa vida e que não estão atreladas a nenhuma religião em particular e nem mesmo ao que chamamos religião em geral.
Clifford Geertz (2001) em artigo recente critica a visão reducionista dos nossos tempos que vê a religião como puramente movida pelas paixões políticas ou político-econômicas e portanto não mais que uma máscara ou um encobrimento ideológico de ambições seculares e egoístas. A religião é estudada como uma variável dependente e deixa-se de fora a experiência do crente.
O Oriente Próximo, e o Islã que caracteriza e identifica grande parte da população daquela área, tem sido desde a Idade Média o outro do Ocidente e como tal tem encarnado vícios e defeitos que, em geral, atribuímos ao outro, pela tendência comum à mente humana de ver as coisas em pares. Como aponta Edward Said (1990), em seu estudo sobre o Orientalismo:
“O orientalismo nunca está longe daquilo que Denis Hay chamou de idéia da Europa, uma nação coletiva que identifica a "nós” europeus em contraste com todos “aqueles” não-europeus, e de fato pode ser argumentado que o principal componente na cultura européia é precisamente o que torna essa cultura hegemônica tanto na Europa quanto fora dela: a idéia de identidade européia como sendo superior em comparação com todos os povos e culturas não-europeus.” (Said, 1990: 19)
Essa superioridade também foi se construindo no plano religioso. Claro está que para isso contribuíram, a partir do final do século XI, as cruzadas religiosas que partiram da Europa rumo à reconquista de Jerusalém. Cruzadas que foram organizadas através da mobilização dos cavaleiros cristãos contra os infiéis, ou seja, os muçulmanos. É interessante ressaltar que por sua vez, os historiadores árabes ao descreverem as cruzadas, nos dizem que os cruzados eram vistos pelos muçulmanos como violentos, invasores, atrasados, cruéis, selvagens, ignorantes e despreparados culturalmente, desconhecendo as regras elementares da ética social . Não se pode esquecer que, de fato, durante grande parte da Idade Média, o império Islâmico estava mais avançado do que a Europa medieval.

Sobre o atraso
O Ocidente tem discutido muito sobre as causas do que chama o atraso do mundo muçulmano e algumas vezes tem ligado esse atraso à religião muçulmana. Se por um lado é difícil defender esta posição ao lembrar tanto dos grandes feitos passados do Império Islâmico, nas artes e nas ciências, quanto da grande ênfase em todo Corão no conhecimento e na necessidade de conhecimento, tanto que a palavra ilm, conhecimento só aparece menos no texto sagrado do que a palavra Deus.
Por outro lado, alguns filósofos políticos ocidentais e mesmo alguns intelectuais muçulmanos argumentam que as questões política e jurídica dentro do âmbito da cultura e religião Islâmica são complicadas na atualidade. Segundo eles, no Islã existe uma comunidade de crentes com uma lealdade devida à religião e a Deus, distintamente do Ocidente onde a partir de uma pré-lealdade a um território jurídico, foi historicamente possível se constituir o estado/nação moderno independente, que funciona como um sujeito jurídico e que tem uma comunidade de cidadãos. Os estados islâmicos, principalmente no Oriente Médio, por terem dificuldade em obter uma legitimidade política, já que o Poder emana de Deus e é só por ele legitimado, terminam se tornando estados totalitários e monarquias que oprimem seus povos.
A questão da lei divina ou shari’a é a outra questão espinhosa do Islã na atualidade. Como, segundo o Corão, só Deus legisla, todas as leis emanam de Deus. E toda a vida do crente, de normas de higiene, a condutas na guerra, à relação com Deus, normas de comércio, boas maneiras, regras de dieta, tudo está contido na shari’a, por isso se dizer que o Islã não é uma religião, mas um sistema de vida (din). Como essas leis são entendidas como divinas e não fruto da elaboração humana não são sujeitas a mudanças. A shari’a é a lei divina, extraída do Corão, dos hadiths (ditos) e da sunna (tradição) do profeta, junto com a analogia (qiyas) e o consenso (ijma’). A shari’a foi concluída no século X (dois séculos após a morte do Profeta), quando então no Islã Sunita foram fechadas as portas do ijtihad (esforço ou interpretação) e desde então a lei tem permanecido igual. A jurisprudência se limita a retraçar a decisão do magistrado até as fontes de autoridade da shari’a, que são o Corão e o Profeta, seus comportamentos e ditos, que estão no passado.
A shari’a deu entretanto um senso de sacralidade à vida do muçulmano, já que os sacramentos não existem nesta religião e nem a questão doutrinária é tão importante. A comunidade muçulmana tem como base a obediência e é a obediência ao ritual e a lei que tornam a religião muçulmana uma fonte de grande consolo para os seus seguidores. As 5 orações diárias, o jejum anual, a peregrinação, as normas de alimentação, a repetição de palavras sagradas e gestos, tudo isto cria um senso de sacralidade que envolve toda a vida do crente. A manifestação coletiva dos atos de submissão à lei divina une a comunidade dos crentes e é uma fonte de paz e de serenidade para eles. Esse sentimento de pertença a uma comunidade torna o apelo do Islã muito forte nas sociedades fragmentadas do nosso mundo moderno. Por isso se diz que o Islã é menos uma doutrina teológica do que um sistema de devoção.
Para um ocidental, a questão intrigante é compreender como na atualidade uma cultura gira em torno de uma revelação sagrada. Onde a lei, a constituição do estado, a legitimação do governante são obtidas e vividas a partir do texto revelado. Esse girar em torno da tradição é o que torna diferente o mundo muçulmano, do nosso mundo secularizado na atualidade.

Sobre a violência
A raiz árabe da palavra Islã quer dizer submissão, submissão à vontade de Deus, e também quer dizer paz. Quem se submete à vontade de Deus tem paz, faz a paz.
Alguns grupos de muçulmanos entretanto, vivem e interpretam seu texto sagrado para justificar a violência, a guerra santa e até mesmo o terrorismo, como fazem isto e em que se fundamentam, esta é, na minha opinião, a perspectiva que se deve buscar. Sayed Hussein Nasr, um estudioso muçulmano, defende que a idéia de guerra no Islã se apresenta com o sentido de estabelecer a paz. Segundo ele, o Islã acentua o aspecto positivo da combatividade.
A jihad é normalmente traduzida entre nós como guerra santa, mas segundo as fontes muçulmanas quer dizer literalmente esforço, mais especificamente se refere a uma frase do Corão “esforçar-se no caminho de Deus”. Há a grande jihad e a pequena jihad. Conta-se que o Profeta Muhammed, uma vez retornando de uma guerra, disse que essa era a pequena jihad e que a grande jihad era a batalha interna que se trava para combater nossas paixões e defeitos, submetendo nossa natureza inferior. Portanto, a guerra santa menor ‘jihad al asghar’ se refere ao combate externo para preservar a religião e a maior ‘jihad al akbar’ ao combate interno realizado pelo crente. Este combate interno é que de fato, segundo uma interpretação, representa a verdadeira guerra santa.
No Islã se chama os combatentes da jihad, de sharide ou mártires. Vozes moderadas do Islã têm enfatizado que o uso atual de jihad e de sharide, em relação ao terrorismo ligado a muçulmanos, é totalmente descontextualizado e ideológico, já que os terroristas matam inocentes. E isto é proibido segundo a sharia (lei divina muçulmana) que, quando trata da jihad, afirma que os combatentes das guerras santas não deveriam matar mulheres e crianças, a menos que elas atacassem primeiro, e exorta a esses combatentes para que não torturem ou mutilem prisioneiros, determinando também bom tratamento aos não-combatentes. As vítimas dos terroristas são em geral, não-combatentes e há mulheres e crianças.
Os muçulmanos ainda afirmam que no Corão, o mártir ou sharide, é aquele que morre pela face de Deus e que este não seria o caso dos terroristas, tomados como estão por um discurso equivocado e ideologicamente confuso de combater o Ocidente ateu e materialista que vem ferindo a comunidade ‘ummah’ muçulmana. Muitos muçulmanos atribuem, portanto, esse terrorismo a causas econômicas e políticas, que se escondem atrás de uma roupagem religiosa, como forma de justificar e mobilizar seus seguidores. Alguns autores inclusive sugerem que isto é Islamismo e não Islã, buscando diferenciar o uso ideológico da religião.
A grande questão que temos que pensar junto com eles, é se é possível uma tolerância em todos os níveis dentro de comunidades regidas por um texto sagrado, onde as verdades são absolutas e podem sempre ser interpretadas de uma forma que leve a estigmatizarão de um grupo. A religião é sempre uma linguagem de absolutos, este tem sido o seu fascínio e seu risco, resta-nos estar atentos, refletir e buscar respostas.
Por isso, escolhi para concluir um poema de Ibn ‘Arabi, místico sufi do final do século XII, que viveu dentro da cultura islâmica e foi capaz de produzir uma obra que afirmava a abertura e a tolerância e ia além dos limites estreitos e institucionais das crenças:

“Meu coração está aberto a todas as formas;
É uma pastagem para as gazelas,
É um claustro para os monges cristãos,
Um tempo para os ídolos,
A Caaba do peregrino,
As tábuas da Tora,
E o livro do Corão.
Professo a religião do amor,
Em qualquer direção que avancem Seus camelos;
A religião do Amor será minha religião e minha fé.”

*Universidade Federal de Juiz de Fora
Departamento de Ciência e Religião

BIBLIOGRAFIA

AL-JABRI, Mohammed Abed. Introdução à crítica da razão árabe. São Paulo: Ed. UNESP, 1999.

ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus – quatro milênios em busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

CAMPBELL, Joseph. Para viver os mitos. Capítulo IX Mitologias de Guerra e de Paz, pgs. 138-161. São Paulo, Cultrix, c. 1972.

GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

LESSING, Doris. Prisões que escolhemos para viver. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

MAALOUF, Amin. As cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1988.

 

 


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