Genialidade
Uma pessoa altamente especializada presta
à sociedade favores relevantes, mas, para sobreviver com razoável
dignidade, precisa de um sem-número de outros especializados
para socorrê-lo a toda hora. Ganha bem e gasta muito. A especialização
começa a ser questionada como a causa do desaparecimento dos
gênios. Aqueles que, pela abrangência de seu saber, dispunham
de conhecimentos variados, ecléticos, capazes de criar novas
e desconhecidas conexões. Atrás da arte excelsa de Leonardo
da Vinci se escondia um saber enciclopédico de mecânica,
química, medicina, filosofia, economia. A sua era uma procura
sem limites da perfeição que rege a natureza. Suas produções
artísticas concatenavam o objeto a uma infinidade de causas
e efeitos. Conseguia extrair a essência, a síntese do
personagem após tê-lo estudado profundamente. Leonardo
parece ter desenhado esqueletos e músculos antes de encobri-los
com a pele. Tinha plena noção das veias, dos ossos,
da carne, das gorduras de seus personagens e da forma como reagiam
a uma emoção ou expressavam o sentimento. Para pintar
a “Santa Ceia”, estudou cada apóstolo, sua origem,
seus feitos e os representou no exato momento em que Jesus manifestava
a traição de um entre eles. O espanto e as reações
de onze discípulos foram representados com relativa facilidade
o que não aconteceu com os rostos de Judas e Jesus. Leonardo
demorou cinco anos para encontrar uma expressão que se aproximasse
da realidade daquele momento renunciando parcialmente aos traços
de Cristo. A obra nunca foi acabada. Quanto menos eclético
menos atalhos terá o indivíduo para transitar na trajetória
humana e na “selva obscura” que motivou Dante Alighieri
a escrever a “Divina Comédia”. A especialização,
deformação da nossa época, leva o médico
a sentenciar que a doença foi vencida, mas a morte sobreveio
por efeitos colaterais. Como dizer: Venci a batalha apesar de ter
perdido a guerra. Mesmo na derrota o especializado se considera vencedor.
A especialização é o álibi de uma infinidade
de homicídios. Começa, enfim, a ser questionada e deverá
tomar conta, nos próximos anos, dos meios acadêmicos
para tentar corrigir as degenerações que impedem a genialidade
de se desenvolver.
Vittorio
Medioli é empresário do setor de transportes, fundador
do jornal "O Tempo", de Minas Gerais, e deputado federal
pelo PSDB.